quarta-feira, 17 de março de 2010

A mercearia do meu pai

Olívia de Cássia Correia de Cerqueira– jornalista


Meu pai tinha uma mercearia na Rua da Ponte, local que antigamente dava acesso à entrada de União dos Palmares, pela estrada de barro. Foi com o fruto do seu trabalho naquele estabelecimento e no armazém de compra e venda de cereais que ele tirou o nosso sustento. Todo sábado eu e meus irmãos íamos ajudar a despachar (vender) as mercadorias, porque o movimento era grade ali. O espaço ficava muitas vezes lotado.
Os matutos e feirantes que moravam nos sítios e na Serra da Barriga, quando terminavam de vender seus produtos na feira, iam pra lá fazer as suas compras semanais ou mensais. Meu pai vendia fiado e nós anotávamos todas as contas em cadernetas; toda semana, quinzena ou mês, os muitos fregueses do meu pai saldavam suas dívidas.
Era uma relação muito mais de confiança que se tinha. A maioria pagava tudo certinho, mas meu pai também levou muito calote e quando se aposentou meu irmão teve trabalho para fazer o levantamento dos fiados e para efetuar as cobranças. Meu pai não era de cobrar aos devedores, porque ficava com vergonha. Nesse aspecto eu também puxei a seu João Correia.
Os cavalos dos fregueses ficam na porta da mercearia, amarrados por uma corda e uma vez meu pai sofreu um acidente quando foi descarregar milho ou feijão. Levou um coice do animal, que o deixou ferido e nós ficamos preocupados. A medicação que se dava quando acontecia acidentes no interior, no primeiro atendimento, era dar para a pessoa acidentada cerveja preta.
Eu passava horas e horas na mercearia do meu pai e hoje eu vejo que aquele local me serviu de laboratório. Quando não estava ajudando a vender as mercadorias eu ficava lendo, fazendo Palavras Cruzadas e aproveitava o tempo ocioso para resolver o Jogo dos Erros, as Diretas e o de Caça-Palavras.
Pegava jornais antigos como o Jornal dos Esportes, que tinha um papel rosa choque; jornais que meu pai comprava em quilo para embrulhar as mercadorias como sabão, pacotes de café e outros produtos e ficava resolvendo aqueles jogos.
Seu João Jonas, como era conhecido meu pai, era um homem caridoso e às sextas-feiras ele dava mais esmolas que nos outros dias. Mendigos e pedintes faziam fila na mercearia para receber a cota que o meu pai distribuía toda semana. Ele colocava para cada um uma quantidade de cada produto da cesta básica: café, açúcar, charque, farinha, sabão, peixe salgado e bacalhau, que naquela época era alimento de pessoas menos favorecidas, ou outro produto que a pessoa necessitada requisitasse.
Naquela época – décadas de 60 e 70 – não existiam supermercados e lojas de conveniência e as pessoas compravam os seus produtos de primeira necessidade nas mercearias no interior. O prédio da mercearia ainda erguido na Rua da Ponte e sempre que passo por ali renovo as minhas saudades. Foi naquela rua que eu nasci e tenho comigo as doces lembranças da infância já distante.

Um comentário:

Anônimo disse...

Adorei ler essa matéria,pois ñ é muito diferente da que vivenciei!Afinal o Sr.Zeca também era comerciante?O jornal naquela época,realmente servia mais para embrulho,aina bem que já existia pessoas cultas como vc que o utilizava para outros fins....rsrsrs Bjão

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