terça-feira, 24 de agosto de 2010

Um estilo de vida


Olívia de Cássia – jornalista

Gostar de rock é um estilo de vida, eu sei. Aprendi muito cedo a ouvir esse tipo de música, em União dos Palmares, desde os primeiros anos da adolescência. Comecei a comprar discos de vinil, fitas K-7, livros e a me interessar por literatura e romances ainda nas primeiras séries do ensino fundamental. Quando fui morar na Rua Tavares Bastos, onde vivi minha adolescência, eu e Eliane Aquino ganhamos um gravador.
O aparelho dela era branco, se não me engano da marca Aiko e bem maior que o meu, que era pequeno, cinza e retangular, da marca Phillips. O de Eliane acho que foi presente do irmão, Afrânio, o meu foi presente dos quinze anos que a minha mãe me deu, coisa simples, mas fiquei muito feliz, pois já naquela época começamos a fazer entrevistas com as amigas.
Fazíamos as perguntas quase sempre sobre os amores, os gostos, os sonhos, as preferências musicais, enfim. Eram as perguntas que tinham naqueles caderninhos de antigamente, os nossos chamados álbuns, que passávamos para vários amigos responderem e assinarem, inclusive nossos paqueras. Éramos muito inocentes e muito puras.
Eu e Eliane tínhamos dezenas de fitas, onde mandávamos gravar as nossas músicas preferidas, trilhas de novelas, baladas internacionais, Raul Seixas, Caetano, Chico Buarque, Gil, Roberto Carlos, Maria Bethania, Gal e tantos outros nomes da MPB, que ouvíamos na casa das outras amigas, na Praça Antenor de Mendonça Uchoa, ou nas escadarias do Grupo Escolar Rocha Cavalcante.
Na praça era quase sempre quando terminavam as sessões do Cine Imperatriz, à noite, ou se não tivesse sessão, era a nossa diversão logo cedo da noite, porque não tinha outra coisa pra se fazer na cidade mesmo e ficávamos ali, até as dez horas, que era o nosso horário-limite, conversando com os amigos da turma, trocando informações sobre festas, cultura geral e paqueras e ouvindo nossos sons.
Todo ano eu acompanhava os lançamentos musicais e já na juventude, como já relatei em textos anteriores, eu aprendi a gostar muito mais de rock in roll. Ouvia Led Zepellin, Rolling Stones, Beatles, Kiss, entre outras bandas.
Gostava de acompanhar o estilo de vida dos nossos artistas preferidos, trocávamos informações na Avenida Monsenhor Clóvis Duarte e lá ouvíamos muita música com o som do carro dos nossos amigos bem alto, porque era moda os rapazes que tinham som no carro ouvir assim. E para nós aquilo era o máximo, era a nossa apoteose.
Achávamos que estávamos arrasando e despertávamos a curiosidade e o falatório da sociedade palmarina. E muitas vezes fomos alvo de muita fofoca e malícia de algumas senhoras e de senhores da sociedade de União dos Palmares. Meu nome circulou muito nas rodas de lá, porque já naquela época era considerada muito avançadinha para aquele tempo, porque gostava de ler muito (devia ser um perigo isso) andava muito com os meninos, queria saber das novidades da década de 70 e começo dos anos 80.
Nós éramos considerados ‘os filhinhos de papai’, ‘burgueses’, mas na nossa turma tinha adolescentes e jovens de todas as classes sociais; não tinha essa distinção, não. Do Carrasco e do Cláudio, que eram nossos colegas mais carentes financeiramente falando, até o considerado mais abastado da cidade, todo mundo andava junto, em bando, bebia, ia pras festas, ficava na avenida jogando conversa fora, jogando, andando de bicicleta ou outra brincadeira própria da idade, coisa da juventude mesmo.
Nós nos confraternizávamos nos divertindo e fazendo tudo aquilo que gostávamos, se pudéssemos e tivéssemos a chance de fazer, fosse indo pra festinhas, passeios e viagens. No meu caso, só viajava para o Rio de Janeiro no fim do ano, para a casa dos meus tios, porque mamãe me mandava para lá, no sentido de me ver afastada das amizades de União, que ela ficava de olho, porque as fofocas eram muitas e o meu nome corria de boca em boca nas esquinas e praças.
Levei nome de tudo em União, de maconheira a rapariga. Aquelas pessoas nem sabiam o que estavam falando, pois eu era apenas uma adolescente muito rebelde, carente, emocionalmente falando e procurava suprir aquela carência sendo amiga dos meus amigos e das suas mães, que me ouviam e me davam muitos conselhos. Eu nunca tive preconceitos e se os tive, procurava sempre minimizá-los para não magoar ninguém.
Eu tive muita liberdade, sim, em União doso Palmares, não posso negar. Mas era uma liberdade mais que vigiada. Apesar dos anos de chumbo que o País vivia, nós sonhávamos com aquela liberdade propagada nas músicas que ouvíamos e nos livros que líamos e também nos relatos dos meninos quando viajavam para estados distantes.
Eu adorava saber das aventuras das viagens que eles sempre faziam e das novidades deles. Parecia que eu tinha viajado também, tal era meu encanto e vontade de conhecer coisas novas. Dava-me uma inveja boa e eu dizia para mim mesma que era aquela vida que eu queria para mim.
Minha mãe me fazia muitas recomendações para me deixar sair para as festas, bailes na Palmarina, assaltos na casa dos amigos (que às vezes eu ia e ela só ficava sabendo quando eu voltava, no outro dia), mas mantinha uma liberdade vigiada sobre mim. Se alguém fosse contar alguma coisa pra ela, alguma fofoqueira de plantão, resultava sempre numa surra no outro dia, mesmo que a informação não fosse verdadeira e era aquilo que me revoltava mais ainda.
Outro dia, estava eu na AABB de União e um colega me falou que alguns rapazes me consideravam metidinha, burguesa e inacessível. Imagina eu, que sempre fui uma adolescente problemática, complexada, com a autoestima baixa e que só me interessava por aqueles garotos mais distantes, que de mim queriam apenas a amizade. Eu só queria ser feliz, nada mais.

6 comentários:

Franco Maciel disse...

Excelente texto, Olívia. Parabéns!

Gagacia disse...

Muito bom seu relato e desabafo.
Bjussssss

Goretti Brandão disse...

Olívia, vi o seu comentário lá no meu blog do CadaMinuto. Vi também o endereço do seu blog, mas já havia vindo aqui antes, de passagem, a partir do blog do meu amigo e conterrâneo Etevaldo Amorim. Li seu texto e lembrei de outros tempos, em Pão de Açúcar, onde também fui alvo de atenções por motivos bem similares aos seus. De certa forma, as pessoas obedecem à 'Ordem do Discurso' como diz Foucault. O discurso das instituições sociais, que nos quer prender com moralismos destorcidos. Pensar sempre foi uma atividade perigosa, ainda mais onde nascemos. Tudo é feito para esvaziar o discurso (comportamento) de quem se atreve a caminhar à margem do que está posto como verdade, como moral, como previsível. Acho que o preço que pessoas iguais a você, e a mim também,pagamos, foi bem pago, embora de uma forma injusta. Não devíamos nada, mas, conseguimos enxergar um pouco adiante. No mínimo fomos capazes de decidir sobre nossas vidas, de quebrar as regras coletivas que reproduzem fielmente as normas do sistema sócio-econômico em que vivemos. Somos mais livres e mais conscientes, não acha? Beijão

Goretti Brandão disse...

Corrigindo a palavra distorcidos, OK?

Olívia de Cássia Cerqueira disse...

Em certos instantes da vida me senti como um peixe fora d'água por não assimilar e por discordar da maioria dos conceitos que me eram passados. O tempo passou, veio a maturidade e a gente percebe que ainda tem muita coisa para aprender na vida. Obrigada a todos pelas postagens dos comentários. Fiquem com Deus...

Lula Castello Branco disse...

A vida é mesmo um surpreendente labirinto de nuances, com viagens transcendentais, onde o tempo gira em torno de um vago abismo, o abismo do si-mesmo. É lindo saber sempre mais um pouco daqueles que nos cerca, eu nunca que saberia dessa amizade tão sutil, tão íntima, tão longa, tão linda, de Vcs. Parabéns pela amizade, isso é que há de mais lindo no ser humano: o amor pleno que resiste às intempéries das relações. Que superam os desgastes, a distância, o ciúme, a paixão, numa amizade pura, sincera, que tende ao lábaro emergente da alma na conquista da eternidade. Bjus.

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Olívia de Cássia Cerqueira (Republicado do  Blog,  com algumas modificações)   Sexta-feira, 29 de abril, é Dia da Paixão de Cristo. ...