sábado, 13 de novembro de 2010

O hábito de escrever cartas


Olívia de Cássia – jornalista

O hábito de escrever cartas para familiares, amigos e entes queridos foi se perdendo aos poucos com o chegar dos anos. Em União dos Palmares, eu tinha como rotina, além de escrever nos meus caderninhos, relatar para os amigos mais queridos todos os meus passos, tudo o que acontecia em minha vida de adolescente e nos primeiros anos da juventude, até chegar à faculdade, quando as cartas foram diminuindo e novos interesses foram se apresentando em minha vida.
Era uma troca de informação que fazíamos sobre tudo o quem estávamos vivenciando no momento e no meu caso, minhas crises pessoais de adolescente inquieta e questionadora. Quando viajava ao Rio de Janeiro nas férias escolares eu escrevia de lá para os amigos de União e de Maceió, já que não tínhamos a facilidade de hoje em dia com a internet para, que enviássemos e-mails e nem os sites de relacionamentos que a gente hoje em dia não vive mais sem eles, pelo menos no meus caso.
Lembro que era um gasto razoável que eu tinha e consumia boa parte da mesada que papai me dava com a postagem de cartas e cartões nos Correios, além dos filmes para a máquina fotográfica, que naquela época era uma Tekinha, que depois foi substituída por uma Kodak, mas cujas fotos tinha uma resolução muito ruim, e também para a compra dos muitos livros de literatura que eu comprava com muita freqüência.
A correspondência virtual imprimiu aos nossos tempos atuais um estilo de comunicação seco e direto, sem a intimidade e a docilidade característica das cartas outrora escritas à mão. Os grandes autores relatam em suas obras o hábito da escrita manual e a troca de poesia nos romances de época.
Quando fui cursar o Científico em Maceió, na Escola Moreira e Silva, no Cepa, entabulei muitas amizades. Estava passando uma fase crítica e problemática por conta das brigas que eu tinha em casa com minha mãe, por causa dos nossos interesses que eram sempre tão diferenciados. Naquela época entabulei amizade com um rapaz espetacular, uma pessoa inteligentíssima e de muito bom coração.
Esse rapaz, primo do cineasta Cacá Diégues, morava na época bem pertinho do Moreira e trocávamos correspondências com muita frequência. Simpatizante da Seicho-no-iê, um movimento que foi iniciado por Taniguchi Masaharu, nascido no Japão, Léo passava livros para mim a respeito daqueles ensinamentos que eu achava muito profundos e que no começo tive dificuldade de entender.
Procurei me interessar por algum tempo por aquela filosofia, mas com o tempo fui despertando para outras causas e deixei para traz a leitura a respeito do tema. Quando cheguei na Ufal, recém-aprovada em Jornalismo, lá estava o Leonardo cursando Agronomia e se iniciando na música clássica na Reitoria.
Muito diferente daquele rapaz lourinho de cabelos estirados que eu havia conhecido no Moreira, ele nem me reconheceu. Fiquei tão triste com aquela atitude dele, que fiquei remoendo isso por alguns dias. Durante todo o curso eu perguntava pra mim o que eu tinha feito para aquele querido amigo que não me reconhecia mais. Depois encerrei o assunto e deixei que o tempo resolvesse a questão.
Na mercearia do meu pai, na Rua da Ponte, os moradores da Serra da Barriga procuravam informação dos familiares. Era lá que colocavam a referência e o endereço de entrega em suas cartas, para semanalmente, aos sábados, quando votavam da feira livre, procurarem informações dos parentes, para saber se tinham escrito alguma carta. Meu pai colocava tudo numa caixa de sapatos e quando chegava alguém procurando informações, nós íamos verificar se tinha carta daquelas pessoas.
Com a chegada do computador em nossas vidas formos perdendo o hábito de escrevinhar cartas e essa tendência natural da evolução tecnológica foi fazendo também com que a nossa escrita fosse ficando mais feia a cada dia. Hoje a minha assinatura se assemelha a de uma criança nos primeiros anos escolares. Antigamente a gente treinava no caderno de caligrafia para melhorar a letra e tinha até nota se fizesse bem feito. Bons tempos.

2 comentários:

Goretti Brandão disse...

É verdade, Olívia... Bons tempos aqueles das cartas que a gente escrevia, ia ao correio postá-las e ficava esperando a resposta. Na década de 80, eu tinha o hábito de escrever diariamente para o meu namorado, agora, marido há vinte e seis anos. Tudo o que acontecia em Pão de Açúcar eu fazia um relato extenso, pormenorizado. À época militávamos no PC do B e eu contava o que o Bloco Popular do PMDB estava fazendo. O que fazíamos acontecer na cidade. Os relatos por carta, ia das estórias às histórias. Escrever cartas, era como escrever um livro sobre o cotidiano.
Muita gente pedia que a minha mãe escrevesse cartas. Era gente que devia a alguém ou para alguma loja e não podia pagar... ela redigia bem, se identificava com o problema e escrevia cartas que emocionavam. Uma vez uma dívida de uma colega dela de trabalho, foi até perdoada!
Eu também fiz inúmeras cartas de amor para uma amiga que tinha um namorado em Branquinha... Ela trazia a carta que recebia dele e eu respondia... Realmente Olívia, bons tempos aqueles. Saudosos tempos...

Goretti Brandão disse...

RETIFICANDO: (...) os relatos por carta, IAM das estórias às histórias.

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