terça-feira, 8 de julho de 2014

Se alguém quiser saber...

Olívia de Cássia - jornalista

Meu avô paterno, Jonas Vieira de Siqueira, registrado como Jonas Correia de Cerqueira, foi proprietário de terras no Sítio Cafuxi, pertencente ao município de Murici, estrada que dá acesso a União dos Palmares e Viçosa. Tanto os pais da minha mãe quanto os do meu pai foram proprietários de terras entre Branquinha, Capela, Viçosa e União. Para ir morar na cidade, meu pai vendeu as terras que foram de vovô Jonas, na Baixa Seca, a preço miúdo, para tentar a vida em União dos Palmares depois de muita insistência de minha mãe que dizia não querer terminar seus dias de vida no mato. Nessa época, meu irmão Petrúcio já tinha nascido e estava com oito meses de idade.

A primeira filha de mamãe, quando veio ao mundo estava morta, sentada e laçada, e já tinha passado da hora de nascer, numa época em que os recursos médicos eram escassos na roça e as crianças vinham ao mundo por meio de parteiras. Essa minha irmã se chamaria Rita de Cássia.  Mamãe afirmava que quando ela e meu pai chegaram à cidade de União dos Palmares, logo no início, foram morar em um galpão-armazém, onde depois foi instalada a oficina mecânica de seu Abdon Cupertino, na Rua da Ponte.

Meus pais montaram um pequeno hotel, que depois faliu, pois o empreendimento não deu certo. Em seguida, papai comprou uma mercearia, de onde tirou o sustento de toda a família. Meu pai foi um homem honesto e batalhador. Criou-se na roça, não teve estudos, sofreu muito porque não tinha pai, nem mãe, e todos os que o conheceram, ainda hoje engrandecem o seu caráter; era um homem de fibra, trabalhador e religioso.  São detalhes desse caráter de papai que me dão orgulho de ter nascido sua filha. Para ele eu pude contar minhas tristezas, muitas vezes, até quando já estava bem doente, acometido pela Ataxia spinocerebellar (DMJ), que o definhou e levou à morte.

Minha mãe também teve uma infância muito difícil e apesar de ter sido filha de senhor de engenho era obrigada por meu avô Manoel a trabalhar na lida do campo, capinando mato, no plantio e na colheita. Segundo os relatos que ela fazia para os filhos, meu avô Manoel Correia Paes teria sido muito ríspido com as filhas e mamãe, para ter algum dinheiro ou alguma pequena regalia, se é que tinha alguma, precisava limpar o mato e plantar feijão, mesmo que estivesse doente.

Talvez tenha sido pela sua dura vida de menina que tenha adquirido tanta resistência e se tornado tão cética com relação a sentimentos como o amor. Vovô herdou os ranços e preconceitos dos senhores de engenho da nossa família, que proibiam as filhas de estudar para não escreverem cartas para os namorados, a exemplo do meu trisavô Silvestre Correia, pai das minhas tias-avós: Santina, Paulina e Maria Francisca. 

Papai era tão devoto que colocou na cabeça que tinha que ter um filho padre. Com essa obstinação ele foi a Carpina e a Jaboatão dos Guararapes, no interior de Pernambuco, e conseguiu internato para meu irmão Petrúcio, que lá ficou por dois anos, primeiro em um depois em outra instituição. Mas Petrúcio fugia da escola e não era fácil. Terminou sendo expulso da ordem dos padres.

Quando meu irmão foi para Pernambuco eu senti muito a sua falta, pois era muito apegada a ele; só fomos nos desentender na adolescência, por conta dos meus namorados que ele não aceitava, pois eu só me envolvia com rapazes que não eram do agrado dele e nem da minha mãe.

Nasci em União dos Palmares, Alagoas, aos 9 de janeiro de 1960, entre dez horas da manhã e o meio-dia, na saudosa Rua Demócrito Gracindo, mais conhecida como Rua da Ponte, na casa que ficava vizinha ao antigo hotel de seu José Otacílio (seu Zeca) e dona Lia, pais dos amigos de infância: Lucinha, Inêz, Bida e Babiu, Zé e Mano.

Minha mãe contava que quando a parteira chegou para fazer o parto eu já tinha nascido. A mulher cuidou apenas do corte do cordão umbilical e da limpeza do bebê. Meu pai só veio saber do meu nascimento quase à tarde, segundo me contou minha mãe. Meu primeiro nome foi uma homenagem à minha avó materna. O segundo nome foi uma homenagem a minha irmã falecida, à santa e à minha prima-madrinha Rita de Cássia Paes Peixoto Netto, que mora no Rio de Janeiro.

Quando tia Osória (irmã mais nova de mamãe) ganhou a sexta filha, também colocou o nome de Rita de Cássia, minha companheira de brincadeiras e brigas da infância, e a irmã que eu não tive e que amo muito.  Segundo os comentários que minha mãe fazia, para chegar ao meu nome ela conversou com algumas amigas e conhecidas. Dona Gerusa da farmácia sugeriu para mamãe que eu me chamasse Paulina (descobri, quando estava pesquisando a origem da família, que tive uma tia com este nome), mas mamãe relutou e eu ganhei o nome da minha avó e da minha madrinha, juntos.

Só pude entrar na escola regular aos sete anos de idade, porque era uma regra da rede oficial de ensino no Estado, nos anos 60. O fato me causou muita decepção e raiva da professora Maria Mariá Sarmento, que era diretora de ensino  em União. Eu achava que tivesse sido má vontade de Mariá e acreditava que tivesse sido ela quem impediu o meu acesso à escola. Mais tarde compreendi a questão, isso já moça feita, como diziam no interior.

A professora Mariá era uma mulher inteligente e respeitada na região, conhecida pela sua irreverência e bom humor. Foi a primeira mulher na cidade a usar calças compridas. Sua história é muito interessante e seu sobrinho Paulo de Castro Sarmento Filho trata de reavivar a memória dos palmarinos mantendo o acervo da tia. A casa de Mariá estava em ruínas e foi restaurada pela prefeitura em convênio com outras parcerias oficiais.  Minha tia Osória era muito amiga de Mariá e lhe tinha muito respeito.

Quando eu entrei na escola oficial, aos sete anos, já sabia contar até dez, rabiscar meu nome completo e já conhecia as primeiras letras do alfabeto.  Aprendi com meu irmão Petrúcio, em casa, e com a professora Josete Belém, na escolinha do Bangu, na Rua da Ponte. Eu gostava muito de estudar, era esforçada, mas sentia dificuldade no aprendizado. Nos meses em que fiquei doente, pedia para mamãe colocar os livros na cabeceira da minha cama, ou no travesseiro e caía num pranto desesperado, porque não podia ir à escola, nem enxergava direito.

Eu tinha muita ânsia de aprender, gostava dos meus colegas da escola, tinha um afeto profundo pela professora, mas para ser aprovada no exame do Admissão, que dava acesso ao antigo ginásio, uma espécie de vestibular do ensino fundamental, precisou que mamãe me colocasse nas aulas de reforço da professora Doralice, a Dora, filha de seu Pedro Fogueteiro, junto com meu irmão Paulinho. Foi com Dora que aprendi a gostar de fazer Palavras Cruzadas. Eu me sentia orgulhosa, quando ela me emprestava as suas revistas para que eu fizesse Caça-palavras e as Diretas. Devo a ela, além das aulas que me deram acesso ao ginásio, a facilidade do aprendizado que desenvolvi com as Cruzadas.

Depois de Dora e já no ginásio, quando fomos morar na Rua Tavares Bastos, mamãe nos colocou para estudar particular com Aparecida Amaral, também um doce de criatura. Mas a minha primeira professora, no Rocha Cavalcante, foi Nina Rosa Sarmento, a quem chamávamos carinhosamente de mamãe Nina Rosa. Eu e minhas amigas Rosemary Veras e Gracinha Melo, entre outras colegas, íamos buscar Nina Rosa em casa, de tanto que gostávamos dela. Desenvolvemos tanto afeto pela professora que quando nasceu o seu primeiro filho nós costumávamos fazer-lhe breves visitas, na esperança de um afago, de uma palavra de carinho. No fundo, acho que nós éramos muito carentes de afeto, pelo menos eu o era.  

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