segunda-feira, 20 de abril de 2015

Da Vila ABC, em Fernão Velho, para o mundo

Produtos derivados do jacaré-do-papo-amarelo são vendidos no exterior

Olívia de Cássia - Repórter

Pouca gente no Estado sabe, mas Alagoas exporta produtos derivados do couro dojacaré-do-papo-amarelo, que tem o nome científico de Caiman latirostris. No Brasil não existe um clima igual ao de Alagoas para se criar jacaré: quem diz é a empresária Cristina Ruffo, que tem um criadouro localizado numa propriedade de três hectares, no bairro operário da Vila ABC, em Fernão Velho, e tem um plantel de cerca de 20 mil animais para o abate que se alimentam de proteína vegetal e animal. 


Alagoas exporta produtos derivados do couro do jacaré-do-papo-amarelo, que tem o nome científico de Caiman latirostris - Foto: Olívia de Cássia
Empresária Cristina Ruffo, que tem um criadouro localizado numa propriedade de três hectares, no bairro operário da Vila ABC, em Fernão Velho - Fotos: Paulo Tourinho e Olívia de Cássia

 O maior destaque da empresa, segundo ela, é ter um produto que sai do ovo ao produto final. Com licença para do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) e demais órgãos para fazer o comércio, a empresa foi criada em 1994, há 21 anos, e começou com três jacarés. É um empreendimento familiar e tem dedicação exclusiva de cem por cento ao negócio.
O criatório tem atualmente 100 tanques e por mês abate em torno de 200 animais. A carne vai para restaurantes e supermercados de São Paulo e Maceió, mas a capital paulista é o maior consumidor da carne. O macho da espécie chega a três metros e dez, a fêmea é menor, dois metros; e este ano teve alta natalidade no local.
O couro do jacaré abatido na empresa de Cristina Ruffo é curtido em Estância Velha, no Rio Grande do Sul, mas ela explica que em breve vai ser curtido no Estado também. “É o único curtimento de pele que a Europa aceita”, explica. Depois de curtido o couro volta para a empresa para serem processadas as peças que serão exportadas para países, principalmente a França, onde atende a alta moda.

São bolsas de grife, que custam R$ 8 a R$ 10 mil e sapatos que serão lançados na Francal, em São Paulo, e na Itália. O sapato é comercializado a R$ 14 mil o par e já tem venda garantida. A empresa também tem um site onde vai funcionar uma loja on line. 
Uma bolsa quando vai pra loja passa a ser vinte mil, trinta mil, segundo a empresária, que justifica o preço observando que um centímetro da pele de jacaré custa vinte e quatro euros e para confeccionar um par, dependendo do modelo, às vezes são necessárias duas peles.
A proprietária Cristina Ruffo mostrou algumas bolsas que ainda estão na linha de montagem da empresa e explicou que as peças são exportadas já prontas; saem do ateliê da empresa, que tem designer e costureiras. Os sapatos, segundo ela, são tão procurados que não tem para quem queira.
“Nós vendemos nossa grife e vendemos para outras grifes também. Temos um designer italiano que é contratado por coleção, amanhã ou depois vem outro para outra coleção, cada vez é um profissional diferente”, explica.
Cristina Ruffo explica que a empresa iniciou suas atividades com três jacarés que surgiram espontaneamente na propriedade, no lago da frente do sítio. “Eles vieram atraídos certamente pelos peixes que eram criados lá; se passou a primeira rede de biometria dos peixes e surgiram esses três animais. Normalmente fazem parte do ecossistema de Alagoas, principalmente, são oriundos da Mata Atlântica, e nós resolvemos preservá-los e não matá-los”, argumenta.
Cristina Ruffo comenta que resolveu procurar a Universidade de São Paulo, para saber que espécie era aquela, pois nem o Ibama tinha notícia: “Aí descobrimos que era um espécie que estava em extinção e nosso primeiro objetivo foi ajudar a sair desse processo. Foi um desafio”, observa.
Segundo a empresária, que também é jornalista, quando já tinha se passado dez anos, a empresa estava com um número significativo de animais e recebeu do Ibama algumas doações para melhorar a espécie: “Eram doações de animais que estavam ilegais, ou era gente criando, ou querendo matar”, destaca.

Empresa tirou espécie da extinção

Durante dez anos ela destaca que foi feito um trabalho sem ganhar um centavo, preservando a espécie, para que se tornasse um criatório totalmente sustentável. “Eu não entendia nada de jacaré e resolvi fazer medicina veterinária aos 50 anos, saí para poder trocar ideia com o mundo científico e conseguimos um bom resultado; conseguimos chegar a trezentos e poucos cientistas que queriam tirar algumas espécies da extinção”, pontua.
Para entrar no mercado de criação de jacarés um empresário gasta cerca de um milhão e seiscentos mil reais, segundo a empreendedora. No Brasil, hoje, só pode criar jacaré se comprar da Mister Cayman, quem tem autorização para o comércio. “Somos os únicos do Brasil e na América Latina somos os maiores”, explica.
Na natureza, segundo a especialista, nascem dois por cento dos jacarés-do-papo-amarelo. “Na chocadeira elétrica a gente faz nascer de 98 a 100 por cento”, destaca. Segundo ela, a empresa conseguiu multiplicar muito a espécie; “mas não bastava só isso: fomos viajando o mundo inteiro para fechar toda a cadeia produtiva; não adianta você fabricar um sapato desse nível ou uma bolsa top de linha, uma pele de qualidade se você não tem para quem vender”, destaca.
Ela observa que enquanto a empresa está fazendo nascer os filhotes na estufa, dentro dessa temperatura que temos no Estado, no Sul os criadores são obrigados a colocarem aquecedor nas águas. “Por que o animal cruza dentro d’água e se tiver fria ele não vai lá. Estamos sempre na frente, em todos os sentidos. Temos tecnologia e clima”.
Segundo ela, viajando para a China, Japão, Dubai, Europa toda, Estados Unidos conseguiu ver que o mercado era muito carente. “Fizemos uma franquia; vendemos hoje matrizes reprodutoras, projetos e somos responsáveis técnicos dessa comercialização, para que a sustentabilidade continue cada vez maior”, observa.
Cristina Ruffo argumenta também que o importante nesse mercado é ir crescendo, gradativamente, “porque a gente tem sempre que focar que a espécie acabou de sair da extinção”. A empresa comenta que montou criatórios no Rio Grande do Sul, em Santa Catarina, São Paulo, porque, segundo avalia, nessa época, os alagoanos não despertavam nenhum interesse pela criação.
“De repente, começaram a despertar e temos três parceiros em Alagoas, que criam nos mesmos moldes, com o mesmo tipo de tanque, mesmo tipo de alimentação e a empresa dá escoamento para o produto deles”, ressalta. A empresária ensina que para ser criador de jacaré-do-papo-amarelo tem que ter a paciência de esperar, pois criação de animal não é da noite para o dia que faz um enorme plantel.
“Nós abatemos com SIC (Serviço de Inspeção estadual); estamos pleiteando um abatedouro com SIF (Serviço de Inspeção Federal), pois tem alguns locais que comercializam a carne na clandestinidade. Eles vendem a carne que é abatida na natureza; compravam um quilo, dois quilos da gente, só para esquentar a nota. Isso a gente não incentiva que aconteça”, explica.

Consumo em São Paulo é alto e não dá nem para a capital

Cristina Ruffo explica ainda que a carne de jacaré que é produzida e vendida também em São Paulo pela empresa é consumida no próprio mercado. “É tão alto o consumo lá que não dá nem para a capital. A gente não abate muitos animais; são 200 por mês, no máximo, sendo que 50% aqui e a outra metade em São Paulo por causa do SIF: a daqui fica para as famílias que compram seriamente e alguns restaurantes,” conta.
A empresária reclama que na natureza acontece de alguns pescadores olharem os jacarés que têm olhos grandes e abatem o animal, às vezes uma fêmea ovada, um macho reprodutor, para eles tanto faz e isso é crime ambiental, ensina.
“A empresa trabalha com o curtimento vegetal; o abate é humanitário, com pistola. O nosso abatedouro é mais limpo, posso garantir, do que muitas UTIS de hospital. Superesterilizado, não tem nenhuma contaminação”, explica. O jacaré é um animal rústico e tem baixíssima mortalidade. A empresária ensina que o cuidado que tem que se ter com o animal é obedecer às técnicas de manejo; não haver brincadeira na hora do trabalho.
“Temos doze funcionários, entre o abatedouro e o ateliê. A gente terceiriza muita coisa e acho que dá emprego para 200 pessoas, na fábrica, para produção da pele. Trazendo o curtume para Alagoas a gente vai gerar esses 200 empregos aqui em Maceió. A gente emprega mão de obra para a Vila ABC, que está saindo da ociosidade, vindo trabalhar aqui”, ressalta.
Ela explica que o abate do animal é feito com insensibilização, com uma pistola pneumática (foto). “Um animal não é abatido ao lado do outro, para que ele não sinta a morte do primeiro; é animal por animal abatido, individualmente, não deixa passar medo para o outro”, explica.
Os jacarés, quando nascem, vão para um berçário para que sejam feitos os cuidados com o cordão umbilical, depois vão para a estufa berçária, daí para uma estufa infantil de crescimento, até que se tornem matrizes: ou reprodutores ou vão para o abate. Ela explica que o tempo de crescimento do bicho são dois anos para o abate e quatro para a reprodução.
No criadouro tem animal de três anos postando ovos. “Tem deles que começam com 20 e vão até 60 ovos, uma vez por ano. Quanto mais o animal vai amadurecendo sexualmente mais ele vai reproduzindo. A gente acredita que eles cheguem até 60 anos, pelas pesquisas que a gente faz”, explica.
As cores das peles curtidas são determinadas pela empresária, de acordo com a feira Le Cuir de Paris, que dita as tendências da moda para daqui a dois anos. As peles coloridas que estavam expostas no escritório da empresária já são para as feiras do inverno e verão de 2017. “Já trabalhamos fazendo banco de Ferrari de BMW; também fazemos outras coisas que não bolsas socialmente. Nós trabalhamos na área de decoração, bancos de iates de árabes. “Temos equipes fora do país que trabalham com isso”, pontua.
A empresária comenta que em cem anos, “nem nós e nem os parceiros vamos conseguir atender a trinta por cento da demanda mundial. É um investimento certo, que só tem pontos fortes, não tem pontos fracos: não existe para nós mais jornalismo, não existe indústria de autopeças na Europa (a empresa do marido): a gente parou com tudo porque não dá para atender todo mundo”, explica.
A empresária explica também que a empresa está fazendo um polo de criação de jacaré-do-papo-amarelo em Alagoas e que a proposta é fundar uma cooperativa. “Dou palestra no Brasil todo e ganhei o prêmio Nacional Mulher de Negócios do Estado, em São Paulo, gerou credibilidade e fui disputar o prêmio em Paris e ganhei também”, complementa.

Cuidador explica como faz o manejo

Ig Barbosa é um dos funcionários da empresa e cuidador dos animais. Ele explicou à reportagem como faz o manejo e cuida dos jacarés: “Eu cuido a partir da postura, até o ponto de chegar ao abate; logo no nascimento, quando a fêmea põe os ovos, a gente tira e coloca na chocadeira. Lá, os ovos ficam durante um tempo de 80 dias e quando eclodem eles vão para o berçário”, destaca.
Ig Barbosa observa que no berçário o jacarezinho passa seis meses e depois eles levam para o tanque para engorda, até chegar ao tamanho ideal para o abate de dois anos a dois anos e meio. A reportagem visitou o local do abate dos animais e constatou a assepsia, que nem parece um abatedouro.
“Quando eles saem do berçário a gente baixa a água, coloca uma luva e os tira para colocá-los no tanque para a engorda. O jacaré grande e pronto para o abate a gente pega no cambão (tipo um laço), coloca no pescoço do animal e tira ele fora”, destaca o criador, acrescentando que também no local são criadas abelhas, mas apenas para o consumo.
O veterinário Isaac Manuel Albuquerque é o técnico responsável pelo criatório e explica que a carne do jacaré não é ‘carregada’ como dizem. “Isso não existe. O carregado, na verdade, se dá por questão de origem da carne. A carne mal conservada ela pode desenvolver algumas bactérias. Aqui a gente sabe o que ele está comendo”, explica.
Isaac explica in loco como é feito todo o procedimento do abate do animal . “Tem que estar tudo esterilizado, com roupas apropriadas, usa um produto específico e fica aguardando o animal chegar. Ele é insensibilizado lá fora, vem para cá e é feita a sangria, como faz com o bovino”, explica.
Depois de abatido é feito o corte do animal ou pela barriga ou pelas costas, dependendo da peça que for ser empregada, mas usa mais a parte ventral, para estofamento de bancos e outras propostas, segundo o veterinário.
Retirado o couro inteiro, na esfola, vai para uma parte; a carne vai para outra para o animal ser viscerado. Os animais não se alimentam das próprias vísceras para não despertar neles o canibalismo, de acordo com a explicação do professor Isaac.
“O animal fica cerca de 40 minutos numa câmera fria para que facilite tirar os ossos; depois disso, sendo cortes nobres, vai para a bandeja, é lacrado e selado. Às vezes a pessoa quer comprar a carne do animal inteiro, porque o produto se torna mais barato o preço.O quilo da carne de jacaré para as venda custa R$ 85 com osso e R$ 120 o filé”, destaca.
Matéria publicada no site Primeiro Momento:

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