quarta-feira, 6 de maio de 2015

Guerreiros do barro sobrevivem às intempéries do tempo

Olívia de Cássia - Repórter - Site Primeiro Momento

Artesãos reclamam da falta de interesse de continuidade do ofício

Seu Antônio Nunes e dona Irinéia Rosa Nunes da Silva são dois dos vários artesãos do barro do povoado quilombola Muquém, em União dos Palmares, que sobrevivem da sua arte há muitos anos na comunidade. A arte desses artistas populares de Alagoas é encontrada em diversos estados do País, espalhada em hotéis, centro de convenções e exposições até no exterior pelo reconhecimento desse trabalho simples, que retrata o cotidiano da comunidade e sua religiosidade.
Seu Antônio Nunes e dona Irinéia Rosa Nunes da Silva são dois dos vários artesãos do barro do povoado quilombola Muquém, em União dos Palmares - Fotos: Paulo Tourinho
A artesã, aposentada, 68 anos, é admirada em toda parte do País e foi reconhecida pelo Governo do Estado como patrimônio imaterial do Estado
Dona Irinéia Nunes é Patrimônio Imaterial do Estado e apesar de ter pouca leitura, tem o reconhecimento dos intelectuais do Estado. A cultura popular, apesar de não ser oficialmente vendida como roteiro turístico no Estado, é um caminho já trilhado por alagoanos e turistas.
A artesã, aposentada, 68 anos, é admirada em toda parte do País e foi reconhecida pelo Governo do Estado como patrimônio imaterial, que é uma concepção que abrange as expressões culturais e as tradições que um grupo de indivíduos preserva em homenagem à sua ancestralidade, para as gerações futuras.
Dona Irinéia conta que os filhos e netos não querem dar continuidade à arte do barro e a tradição está ameaçada
Por ter recebido essa honraria, os artesãos do Muquém recebem uma bolsa-incentivo, mas há bem pouco tempo esse benefício estava em atraso. A artesã de vida simples vive com a família, descentes dos quilombos, desde que nasceu e segue a tradição de seus avós, mas reclama que seus filhos e netos não querem dar continuidade à arte do barro e a tradição está ameaçada em União dos Palmares, caso não seja criado um incentivo para que haja continuação dessa arte.
“Eles não querem aprender; só querem estudar e eu não posso pegar ninguém para fazer nada a pulso. Vou fazendo aos poucos mais meu velho e agora tenho uma cunhada trabalhando mais eu, porque eu sozinha não aguento trabalhar o dia todo, sentindo uma dor no osso dos quartos e quando eu passo muito tempo sentada me prejudica. Pago 50 reais por semana a ela e já estou devendo 400”, explica.
Com problemas de audição, vida simples e problemas familiares, Dona Irinéia Rosa Nunes da Silva destaca que recentemente ganhou mais três netos e um dos gêmeos está com problema de pele. “A mãe não quer dizer quem é o pai, confessa seu Antônio Nunes.
A artesã palmarina conta que tem recebido muitas encomendas de sua arte
Balançando um dos netos na rede e trabalhando em seu ofício, a artesã e seu marido vão dando acabamento nas últimas peças que estão confeccionando e vão falando do cotidiano à reportagem e explicando o significado e a utilidade de cada uma.
“Aquela dali vai ter menino”, diz seu Antônio apontando para uma peça que simboliza uma parturiente e que está prestes para ir para o forno, para ser queimada. “Estou fazendo aqui umas encomendas de uns estudantes. Tivemos encomendas de 400 cabeças que foram para um hotel de São Paulo”, explica.
A artesã palmarina conta que tem recebido muitas encomendas de sua arte. As peças da têm preços módicos se comparado à importância da arte de dona Irinéia Nunes: “Tem peça que é vendida por R$ 20, tem outras de R$ 25, depende do tamamnho”, pontua.

As peças da têm preços módicos se comparado à importância da arte de dona Irinéia Nunes
São Paulo, Recife, Rio de Janeiro, Maceió, são locais do País onde as peças de dona Irinéia Nunes, seu Antônio e também dona Marinalva estão expostas. “Até fora do Brasil já tem meu trabalho”, conta ela orgulhosa. Como lembrança da tragédia da enchente de 2010, ela mostra uma peça que representa a jaqueira que abrigou mais de 30 moradores que ficaram abrigados durante a enchente do Rio Mundaú.
Dona Irinéia Nunes virou personagem do livro A menina de barro, que conta a história de uma família que morava às margens do rio Mundaú, no interior de Alagoas, e vivia a partir da criação de objetos feitos de barro colhido na beira do rio. Num dia chuvoso de inverno, as águas fizeram o rio transbordar, carregando o que havia pela frente.
O livro é da escritora Gianinna Bernardes, ilustração de Pablo Perez Sanches, foi impresso na Gráfica Graciliano Ramos, Imprensa Oficial do Estado e é comercializado a R$ 20, incluindo a internet.
Dona Irinéia Nunes pontua que começou a fazer peças de barro há cera de 40 anos e destaca que sua mãe confeccionava panelas; disse que depois de adulta começou a fazer peças de barro para pessoas que iam pagar promessas.
“As pessoas me procuravam para que eu fizesse imagens de partes do corpo para pagarem promessas: cabeças, mãos, braços, pernas, pé, coração; qualquer parte do corpo; aí comecei fazendo e graças a Deus, hoje meu trabalho é um sucesso”, explica.
Morando atualmente em uma casa doada pelo Programa da Reconstrução, dona Irinéia Nunes destaca que o artesanato de barro sustenta toda a família. Ela conta que só não está passando dificuldade por conta das encomendas que recebe, por meio do SebraeAL. “Quando eles recebem botam um dinheirinho em minha conta. Já recebi um prêmio de R$ 10 mil, foi dividido com outros artesãos daqui e fiz uma reforma na casa”, observa.

A PARCEIRA

Dona Irinéia Nunes conta com a parceria de seu esposo, seu Antônio Nunes, para fazer seu trabalho. No dia da nossa visita ele estava concluindo e fazendo o acabamento de recipientes para se colocar frutas em cima da mesa. Ele conta que começou fazendo os primeiros passos das peças e o acabamento ficava por conta dela. “Hoje ele dá pisa em mim e me chama a atenção quando faço alguma coisa errada. Ele ajeita a peça quando eu erro alguma e eu ajeito as dele e assim nós vamos”, declara.
Seu Antônio Nunes reclama que não querem o nome dele nas peças
Seu Antônio Nunes, 75 anos, um senhor simples de riso fácil diz que a esposa foi sua professora. “Eu trabalhava com cana, parei, trabalhei com tijolo e telha e ela começou me ensinando; aprendi. Tiro o barro carrego, corto a lenha e também faço as peças”, observa.
Seu Antônio Nunes reclama que não querem o nome dele nas peças: “O povo só quer as peças que têm o nome dela e eu fico lá em baixo e ela subindo”, diz o artesão sorrindo. Dona Irinéia e seu Antônio criaram juntos dez filhos. Três dela (que era separada) e sete dele, que era viúvo e diz que estão nessa união até o fim.
“Recebemos encomenda de um lugar chamado Milão; estou concluindo essas peças, que só falta passar o ferro. Ainda estou usando o forno de lá, antigo, esse daí (construído junto com as casas da reconstrução), não aguenta fogo; ele rachou, mas eu ainda amarrei de arame e ainda vou botar fogo nele, que foi feito para isso”, explica seu Antônio Nunes.
O barro  é tirado de um local mais longe, próximo à antiga residência
Seu Antônio e dona Irinéia estavam confeccionando outras peças que não são de encomenda, miniaturas, para venderem avulsas. Eles explicaram que algumas moças de União se prontificaram a ir ao Muquém para participarem de uma oficina com ele e dona Irinéia.
O barro para produzir as panelas é tirado de um local mais longe, próximo à antiga residência deles. “A gente cava, molha o barro, no barreiro mesmo, de manhã a gente vai buscar que já está fofinho, coloca ele na tuia e torna a aguar, no outro dia eu boto ele na pedra para pisar nele todinho de foice. A massa tem que apanhar muito para ficar no ponto”, explica.
Ex-prefeita Kátia Born encomendou 30 cabeças pequenas
Na casa de dona Irinéia e no galpão algumas peças já estão prontas para a venda. Ela disse que a ex-prefeita Kátia Born encomendou 30 cabeças pequenas e quatro maiores; além de algumas encomendas do Sebrae. “Sempre temos encomendas. Foram pedidos 50 copinhos com pires, para um evento para se colocar camarão e caldo, para negócio de hotel”, destaca a artesã.

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