domingo, 16 de outubro de 2016

Eu vivi os anos 1980

Por Olívia de Cássia

No ano de 1980, quando perdi meu primeiro vestibular para Medicina, que era sonho da minha mãe, fiz a última viagem das muitas que costumava fazer quase todos os anos ao Rio de Janeiro, para onde mamãe me encaminhava, à casa dos meus tios, para me afastar das minhas amizades de União dos Palmares, que era uma preocupação dela.

Dessa vez fui ver se aventurava emprego em terras cariocas; já com 20 anos, apenas com curso de datilografia e o científico terminado, tinha meus sonhos de liberdade e independência bem aprofundados e queria deixar de depender dos meus pais.

Fiquei 'morando' no Rio de Janeiro quatro rápidos meses, passando temporadas na casa de um parente ou outro. Não tinha incursões por grandes aventuras por lá. Saídas só com os primos e primas, para programas com as crianças, que eu gostava muito.

Os passeios à Quinta da Boa Vista, Pão de Açúcar, à casa de familiares e à praia. Era o tempo da novela Água Viva. A violência já dava seus sinais naquela época, mas infinitamente menores do que hoje em dia. Nesse tempo, eu já começava a ir à quitanda, padaria e supermercados sozinha na Penha, onde minha tia Noêmia morava.

Ir à à Barra da Tijuca de ônibus, visitar duas amigas e voltar, ou para Realengo, à casa do meu tio José, até que recebi uma ligação de mamãe, informando que era para eu voltar às Alagoas, imediatamente: mamãe era quem determinava tudo em nossas vidas.

Minha prima Fátima Paes, com apenas 26 anos, estava nas últimas: metástase. Eu precisava passar meus últimos dias com ela. Éramos muito apegadas; foi muito sofrimento viver tudo aquilo. Avalio que o ceticismo de hoje se dá por conta de tanta perda.

Minha família, principalmente da parte do meu tio Antônio de Siqueira Paes, viveu muitas tragédias que dariam romances volumosos. Mas não vou fazer aqui incursões por elas, porque não é o foco do texto.

Foi na década de 80, que alcancei a universidade, depois de muita luta e muitas barreiras impeditivas. Fazer vestibular para jornalismo, numa época em que em União minhas amigas e amigos foram fazer medicina, engenharia, direito e outros cursos mais elitizados, causou revolta em dona Antônia, que sempre se via contestada por mim em sua forma de pensar.

As recomendações dela eram sempre as mesmas: 'cuidado com quem anda, cuidado com os comunistas'. E foi com quem primeiro me afinei no primeiro dia da faculdade, construindo amizades, tendo solidariedade deles. E Eu sempre transgredindo as determinações do sistema', que para mim, naquela época se chamava dona Antônia, com sua mão de ferro.

Hoje avalio que para minha mãe, conviver com uma filha rebelde naquele tempo não era fácil de entender. Ao contrário do que se pensa, tive muitos ensinamentos da minha mãe e deles não abro mão, apesar das nossas divergências de pensamentos.

Foi nesse tempo saudoso de faculdade que aprofundei minhas leituras e adquiri mais conhecimento e fui perdendo um pouco aquela ingenuidade; conhecendo mais da vida e do caráter das pessoas.

Em oposição a isso, me enredei na trama do sentimentalismo, que me embotou o pensamento por muito tempo e deixei de viver situações melhores e mais produtivas. Mas tudo isso faz parte da minha história de vida e não posso renegar.

Por conta desse atraso sentimental, quase deixava de lado minhas teorias e todo o aprendizado adquirido até então, me deixando levar pela tal submissão aos sentimentos. Demorou, mas a voz da razão falou mais alto e me livrou dos maus presságios, finalmente.

O especialista Gilberto Maragoni lembra que a volta da democracia (em 1985) possibilitou uma reorganização do movimento social, num patamar inédito até então. Ele destaca que nos países da América Latina esse período ficou conhecido como “a década perdida”, no âmbito da economia.

"No Brasil, a desaceleração representou uma queda vertiginosa nas médias históricas de crescimento dos cinquenta anos anteriores; mas sob o ponto de vista político, aquela foi literalmente uma década ganha", destaca.

Todas essas lembranças dos anos 80 me vieram hoje, depois de ser testemunha partícipe de tantas lutas e assistir o país sofrer um retrocesso e atraso que não estava na imaginação do mais pífio pensador. Bom dia.

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