segunda-feira, 7 de maio de 2018

É sobre falar da infância


Por Olívia de Cássia C.de Cerqueria
Jornalista aposentada

Eu era uma criança que vivia em liberdade na Rua da Ponte: fosse tomando banho no Mundaú ou aprontando com as amigas. Brincava com as coleguinhas, me metia nas águas do rio, na casa dos vizinhos, sem ter noção de limites. Fiquei sabendo como nascem as crianças com as amigas mais espertas que eu.

Minha tia Ozória alertava minha mãe para que tivesse cuidado comigo; na casa de uma vizinha tinha dois meninos e uma menina, que estudava no Rocha Cavalcante comigo. Brincávamos de casinha, de 'médico', de mendigos e colocávamos um saco nas costas com nossos breinquedos, para fingir a situação.

Da mesma forma que eu era bicho do mato e matuta, dessa minha vizinha tenho apenas a lembrança de uma briga de tapas que tivemos no gramado na frente do Rocha, e ela, que era maior do que eu e tinha mais força, apertou minha garganta e me deu uma surra, o que me deixou adoentada por uns dias e ficamos sem nos falar até hoje. Nem sei mais se mora em União.

Por esse motivo do alerta da minha tia, cheguei a apanhar do meu pai, coisa rara de acontecer, pois ele quase só batia no meu irmão mais velho, que era muito levado. Fiquei de castigo também.

Minhas brincadeiras e demais amizades continuaram e os banhos no rio também. Tomávamos banho na rua, em época de chuva e era só felicidade, até chegarmos em casa e sentir o cinturão ou a sandália da minha mãe.

Lembro de uma cena que vi, em um dia de muito calor, quando fui até o rio para me refrescar: encontei um vizinho, adulto, que estava tomando banho com roupas íntimas e fiquei curiosa. Se fosse hoje em dia seria visto de outra forma. Não contei para ninguém e fiquei com aquela imagem na cabeça.

Não era costume lá em casa de a gente contar as histórias para nossos pais, por medo da reação deles em nos bater. Em quase todas as casas do começo da Rua da Ponte eu andava; tinha muitas amizades, como tenho até hoje, só que naquela época eu era sem noção.

Frequentava muito a casa dos meus compadres Lili e Aristeu e tomava conta das crianças mais velhas, para que ela fosse lavar roupas e pratos no rio, já que naquela época não tinha quase água encanada nas casas.

Comecei a me interessar pelos meninos muito cedo. Era muito amor platônico que eu tinha, só olhava e me debruçava em lágrimas porque me sentia rejeitada pelos meninos. Meus 'amores' eram platônicos desde cedo, como os dos poetas que logo cedo comecei a conhecer por meio de minhas leituras.

Durante muitos anos da minha vida fui muito chorona, bastava uma careta. Hoje em dia, depois de ter passado muitos perrengues, as lágrimas secaram. Acho que chorei na infância e adolescência por uma vida inteira.

Na adolescência, quando mamãe descobria que eu estava 'assanhada' por algum menino, ela ia na casa dos pais deles pedir que se afastassem de mim. Quando eu ficava sabendo, morria de vergonha, pois era tudo segredo meu. Os meninos nem tomavam conhecimento daquelas paixões.

E assim fui crescendo cheia de complexos e me achando a coisa mais horrível do mundo. Não tinha a autoestima que tenho hoje e avalio que precisava de terapia desde muito cedo. Da mesma forma queu não podia desabafar com minha mãe, pois acabávamos sempre discutindo, eu desafogava as mágoas com as amigas e as mães delas.

Ainda na Rua da Ponte, certa vez, mamãe saiu de casa para resolver uma situação que não sei qual foi, e me deixou com a porta fechada a chave. Não deu outra. Desde criança tenho fobia de ficar trancada, gritei muito, dei o maior escâmdalo, rasguei a roupa que vestia e quando ela chegou que me viu daquele jeito, me deu outra surra e nunca mais eu repeti a façanha.

Descobri que tenho pavor de ficar trancada em algum lugar já adulta, e até hoje não costumo fechar, quando estou em casa, a porta de quarto ou banheiro. Continuei malcriada e aprontando das minhas e quando mamãe vinha me bater, eu me escondia atás do meu avô. Ai daquele que viesse me bater na presença dele.

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